David Hume
(Edimburgo, 7 de Maio de 1711 — Edimburgo, 25 de Agosto de 1776) foi um
filósofo, historiador e ensaístaescocês que se tornou célebre por seu
empirismo radical e seu ceticismo filosófico. Ao lado de John Locke e
George Berkeley, Hume compõe a famosa tríade do empirismo britânico,
sendo considerado um dos mais importantes pensadores do
chamadoiluminismo escocês e da própria filosofia ocidental.
Hume
opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que consideravam o
espírito humano desde um ponto de vistateológico-metafísico. Assim Hume
abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenômenos mentais.[2]
Sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é
considerável. Teve profunda influência sobre Kant, sobre afilosofia
analítica do início do século XX e sobre a fenomenologia.
O
estudo da sua obra tem oscilado entre aqueles que colocam ênfase no
lado cepticista (tais como Reid, Greene, e ospositivistas lógicos) e
aqueles que enfatizam o lado naturalista (como Kemp Smith, Stroud, e
Galen Strawson). Por muito tempo apenas se destacou em seu pensamento o
ceticismo destrutivo. Somente no fim do século XX os comentadores se
empenharam em mostrar o caráter positivo e construtivo do seu projeto
filosófico.[3]
Hume
foi um leitor voraz. Entre suas fontes, incluem-se tanto a Filosofia
antiga como o pensamento científico de sua época, ilustrado pela física
e pela filosofia empirista. Fortemente influenciado por Locke e
Berkeley mas também por vários filósofos franceses, como Pierre Bayle e
Nicolas Malebranche, e diversas figuras dos círculos intelectuais
ingleses, como Samuel Clarke,Francis Hutcheson (seu professor) e Joseph
Butler (a quem ele enviou seu primeiro trabalho para apreciação),[4] é entretanto a Newton que Hume deve seu método de análise, conforme assinalado no subtítulo do Tratado da Natureza Humana - Uma Tentativa de Introduzir o Método Experimental de Raciocínio nos Assuntos Morais.
Seguindo
atentamente os acontecimentos nas colónias americanas, tomou partido
pela independência americana. Em 1775, ele disse a Benjamin Franklin:
"eu sou um americano nos meus princípios".
Biografia
David
Hume nasceu em Edimburgo, na Escócia. A data de seu nascimento às vezes
gera certa confusão, pois a Grã-Bretanha só adotou o calendário
gregoriano em 1752. Desse modo, segundo o calendário vigente à época do
seu nascimento – o calendário juliano – David Hume nasceu em 26 de
abril de 1711, mas, segundo o novo calendário (o gregoriano, vigente
nos países ocidentais até os dias de hoje) a data era 7 de maio de
1711. David Hume foi filho de Joseph Home de Chirnside, advogado, e de
Katherine Falconer. Quando contava apenas dois anos, seu pai faleceu,
deixando o pequeno David Hume, seu irmão mais velho e sua irmã sob os
cuidados exclusivos de sua mãe, “uma mulher de mérito singular, que,
apesar de jovem e bonita, dedicou-se ao cuidado e à criação de seus
filhos.”[5]
Como revelava certa precocidade intelectual, Hume foi enviado para a Universidade de Edimburgo antes dos doze anos de idade.[6]
A família de Hume tinha expectativas de que o jovem seguisse a carreira
jurídica, mas, em suas próprias palavras, ele mesmo sentia "aversão
intransponível a tudo, exceto ao caminho da filosofia e do conhecimento
em geral; e enquanto [minha família] achava que eu estava a perscrutar
Voet e Vinnius, Cícero e Virgílio eram os autores que secretamente
devorava".[5] Seguindo seus próprios interesses, Hume
dedicou-se à leitura de obras literárias, filosóficas e históricas, bem
como ao estudo de matemática e ciências naturais. Aos dezoito anos,
após um intenso programa de estudo autoimposto, pareceu-lhe que se
descortinava um “Novo Cenário de Pensamento”.[7] Hume nunca explicou o que seria esse “Novo Cenário”, e os comentadores têm oferecido diversas interpretações.[8]
De qualquer modo, essa inspiração fez com que o jovem estudante
redobrasse sua dedicação aos estudos, e o excessivo esforço intelectual
levou-o às raias de um colapso mental.
Após
esse episódio de fadiga nervosa, Hume decidiu procurar um estilo de
vida mais ativo no mundo do comércio, e empregou-se numa companhia
importadora de açúcar em Bristol. É por essa época que altera a grafia
de seu nome, de "Home" para "Hume", devido à dificuldade dos ingleses
de pronunciá-lo à maneira escocesa.[9] A experiência no ramo
do comércio não durou muito, e, em 1734, buscando a tranquilidade e o
isolamento que julgava necessários para prosseguir em suas
investigações, parte para a França e se estabelece em La Flèche, uma
pequena cidade francesa mais conhecida por abrigar um famoso colégio
jesuíta. Aí Hume continua a desbravar o "Novo Cenário", apesar das
limitações financeiras: "Resolvi compensar a carência de recursos com
uma frugalidade bastante rígida, a fim de manter incólume a minha
independência, e considerar todos os objetos desprezíveis, exceto os
avanços de meus talentos na literatura."[5] Durante esse
período na França, Hume aprofunda seus conhecimentos sobre a filosofia
francesa, especialmente sobre a obra de Malebranche, Dubos e Bayle, e
entre 1734 e 1737 escreve grande parte de sua obra-prima, o Tratado da Natureza Humana.[6]
Em
1737, Hume retorna à Inglaterra e trabalha diligentemente para publicar
o seu livro. Em 1739, consegue publicar os dois primeiros volumes de
seu Tratado, e em 1740 é publicado o terceiro e último volume.
Apesar de ser hoje considerado a sua principal obra e um dos livros
mais importantes da história da filosofia, o Tratado não causou
impressão à época de sua publicação. Hume tinha esperado um ataque às
ideias apresentadas no livro e preparava uma defesa apaixonada. Para
sua surpresa, a publicação do livro passou quase despercebida; e,
recordando a indiferença do público, Hume escreveu que "nenhuma
tentativa literária foi mais desafortunada que meuTratado da Natureza Humana", na verdade, "saiu da gráfica natimorto, sem alcançar sequer a distinção de estimular os murmúrios dos fanáticos".[5] Diante da reclamação de que o livro era "abstrato e ininteligível",[10]
Hume recorreu ao artifício, ainda em 1740, de publicar uma sinopse
anônima, na qual apresentava de forma mais clara e direta algumas das
ideias fundamentais do Tratado. No entanto, embora já permitisse antever os elegantes argumentos da Investigação sobre o Entendimento Humano,[6] a sinopse de pouco serviu para mudar a consideração geral em relação ao Tratado.
Em 1742, é publicada em Edimburgo a primeira parte de seus Ensaios, que mereceram considerável atenção do público e, segundo o próprio Hume, fizeram-no esquecer a decepção provocada pelo Tratado.[5] Em 1744, concorre à cátedra de Filosofia Pneumática e Moral[11]
da Universidade de Edimburgo, mas sua candidatura enfrenta forte
oposição devido à sua fama de ateísta e acaba por ser rejeitada.
Depois
dessa conturbada candidatura a um posto acadêmico e de uma experiência
infeliz como tutor de um jovem inglês, de linhagem nobre e mente
desajustada, Hume é convidado pelo general James St. Clair a ser seu
secretário numa expedição militar. Inicialmente a expedição tinha como
alvo o Canadá, mas terminou por realizar uma incursão à costa da França.[5]
Hume também acompanhou o general St. Clair em missões diplomáticas a
Viena e Turim. Tendo retornado da Itália, Hume muda-se para a
propriedade rural de sua família em 1749, e aí permanece por dois anos.
Em 1751, vai morar na cidade, "o verdadeiro cenário de um homem de
letras",[5] e faz uma nova tentativa de obter um cargo
acadêmico: a cátedra de Lógica da Universidade de Glasgow. Mas,
novamente, sua candidatura é rejeitada.
Convencido de que o problema do Tratado era mais uma questão de forma que de conteúdo, ele resumiu o Livro I do Tratado (“Sobre o Entendimento”), dando-lhe um estilo mais ágil e acessível. Desse trabalho surgiu a Investigação sobre o Entendimento Humano,
que, embora tenha encontrado receptividade maior que a do livro que lhe
deu origem, esteve longe de ser um sucesso de vendas. A mesma recepção
fria teve uma nova edição dos Ensaios. A falta de reconhecimento, porém, não prejudicou o seu trabalho literário. Hume escreveu a segunda parte de seus Ensaios e, tal como havia feito anteriormente, reescreveu aquelas partes do Tratado relacionadas a questões morais. Esses novos textos sobre moral vieram a público com o título de Investigação sobre os Princípios da Moral
– livro que na opinião do próprio Hume era, de todos os seus escritos,
“históricos, filosóficos ou literários, incomparavelmente o melhor.”[5]
Em
1752, Hume é convidado a dirigir a biblioteca da Faculdade dos
Advogados de Edimburgo. Embora fosse escassamente remunerada, a função
colocava à disposição de Hume as fontes bibliográficas para um novo
projeto: a elaboração da História da Inglaterra. Essa obra
historiográfica monumental foi publicada em seis volumes, nos anos de
1754, 1756, 1759 e1762. Esse esforço de uma década foi recompensado. Os
volumes da História da Inglaterra valeram ao seu autor a tão almejada celebridade literária e, além disso, proporcionaram-lhe bons retornos pecuniários.[6]
Mas
Hume não ficou livre dos ataques de seus adversários. Em 1754, ele foi
acusado de encomendar “livros indecentes” para a biblioteca, e houve
uma movimentação para destituí-lo do cargo. Diante das pressões, os
membros do conselho diretor cancelaram as encomendas dos livros
considerados ofensivos – decisão que Hume tomou como uma ofensa
pessoal. Como precisava do acervo da biblioteca para prosseguir as suas
pesquisas para a História da Inglaterra, ele adiou seu pedido
de demissão, mas reverteu os pagamentos de seu salário em benefício de
Thomas Blacklock – poeta cego que decidira ajudar. Antes de pedir sua
demissão em 1757, Hume ainda foi alvo de um processo malsucedido
deexcomunhão em 1756.[6]
Foi
também durante o período em que exerceu a função de bibliotecário que
Hume escreveu as suas duas grandes obras sobre religião: a História Natural da Religião e os Diálogos sobre Religião Natural. A primeira veio a público em 1757 como parte das Quatro Dissertações. O projeto original, no entanto, previa cinco dissertações: além da História Natural da Religião,
o livro também incluiria os ensaios "Sobre as Paixões", "Sobre a
Tragédia", "Sobre o Suicídio" e "Sobre a Imortalidade da Alma". Esses
dois últimos ensaios eram investidas frontais contra os dogmas
religiosos, pois criticavam a condenação ao suicídio e a crença na vida
após a morte.[12] Antes que fossem publicados, o editor de
Hume, Andrew Millar, recebeu ameaças de ser judicialmente processado
caso os textos fossem distribuídos.[6] Diante disso, Hume fez alterações na História e substituiu os dois últimos textos pelo ensaio "Sobre o Padrão de Gosto". Os Diálogos, por sua vez, só foram publicados em 1779, três anos após a morte de Hume.[12]
Em
1763, Hume aceita o convite feito pelo embaixador inglês na França,
Lorde Hertford, para trabalhar como seu secretário em Paris. Por dois
anos, além de auxiliar nos trabalhos diplomáticos, Hume trava
conhecimento com grandes nomes da intelectualidade parisiense, como
Diderot, D'Alembert, e d'Holbach. Ao retornar para a Inglaterra, Hume
toma providências e estabelece contatos para ajudar Rousseau a se
estabelecer em solo britânico, uma vez que esse último tornara-se
vítima de uma nova perseguição por parte das autoridades suíças. No
entanto, os laços de amizade entre os dois filósofos romperam-se
dramaticamente pouco tempo depois. Levado pela paranoia e mania de
perseguição, Rousseau acusou Hume de estar liderando uma conspiração
para difamá-lo e arruiná-lo.[6]
Em
1767, a convite do General Conway, irmão de Lord Hertford, Hume assumiu
em Londres o cargo de subsecretário para o Departamento do Norte.
Exerceu essa função por cerca de dois anos, e retornou para Edimburgo
em 1769 – dessa vez definitivamente. Passou os últimos anos de sua vida
revisando os seus escritos e desfrutando a convivência de amigos e
intelectuais de Edimburgo.[12]Na primavera de 1775, foi
acometido por uma doença intestinal que "a princípio", segundo seu
testemunho, "não causou alarme, mas que se tornou (…) mortal e
incurável."[5] Durante o período em que esteve doente, Hume
recebeu a visita de James Boswell. Diante das atitudes e palavras de
Hume sobre o fim que se aproximava, Boswell ficou convencido de que ele
encarava a morte com absoluta serenidade. Hume faleceu em 25 de agosto
de 1776.[13] Encontra-se sepultado em Edimburgo na Escócia.[14]
Hume nunca se casou. Suas opiniões políticas eram tipicamente progressistas,[15] e era, assim como seu amigo Adam Smith, um fervoroso defensor do livre-comércio.[16]
De maneira geral, a vida de Hume é condizente com as palavras que
escreveu sobre si mesmo: "um homem de disposição branda, de têmpera
equilibrada, de humor franco, sociável e alegre, capaz de manter laços
de afeição e pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em
todas as minhas paixões".[5] Numa carta em que fala sobre o
passamento de Hume, Adam Smith conclui sua exposição com as seguintes
palavras: "No todo, sempre o considerei, tanto durante a sua vida como
desde a sua morte, como alguém que se aproximava tanto da ideia de um
homem perfeitamente sábio e virtuoso quanto permite a frágil natureza
humana".[13]
A "ciência do homem"
Por
muito tempo os estudos sobre Hume destacaram apenas o lado
céptico-destrutivo de sua filosofia. A grande realização do filósofo
teria sido eminentemente negativa: teria ele explicitado a
impossibilidade de se alcançar alguma certeza ou verdade absoluta nas
ciências indutivas, além de ter mostrado a impossibilidade de se provar
filosoficamente a existência do mundo exterior ou de se identificar uma
substância constitutiva do ego. Mesmo em seus próprios dias, essa foi a
leitura predominante da obra de Hume. Thomas Reid considerava-a uma
espécie de redução ao absurdo da filosofia das ideias iniciada por
Descartes e reorientada ao empirismo pelos britânicos John Locke e
George Berkeley. Segundo Reid, Hume teria mostrado que os pressupostos
assumidos pela teoria das ideias como meio representacional conduziam
inevitavelmente ao cepticismo generalizado – e essa consequência
indesejável revelaria que os pressupostos não poderiam estar corretos.[17]
Os historiadores da filosofia, sobretudo os influenciados pelo
idealismo alemão, viram a obra de Hume apenas como elaboração de uma
antítese que, mais tarde, seria superada pela síntese kantiana.
Embora
as teses negativas mereçam atenção, elas não constituem toda a
filosofia de Hume. No século XX, os comentadores voltaram a destacar o
lado propositivo do pensamento humeano,[18] que já se
anunciava no próprio subtítulo de sua obra-prima: "uma tentativa de
introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais".
Para Hume, os assuntos morais abrangiam todos aqueles temas que hoje
consideramos como pertencentes às humanidades - como, p. ex., a
política, o direito, a moral, a psicologia e a crítica das artes.
À
época de Hume, as ciências naturais já haviam conseguido grandes
realizações, tendo sido a física newtoniana inquestionavelmente a mais
notável. Mas, ao lado de explicações inteiramente quantificadas dos
fenômenos naturais, convivia uma abordagem completamente diferente em
relação às produções do espírito humano. Em parte inspirados pelo
dualismo cartesiano, os filósofos tendiam a ver as questões
especificamente humanas como pertencentes a um domínio separado do
conjunto dos fenômenos naturais; para eles, enquanto esses últimos
estavam sujeitos a leis e a rigorosos encadeamentos causais, as
primeiras eram resultado da absoluta liberdade de escolha dos seres
humanos. Em termos práticos, essa concepção de mundo excluía do âmbito
da investigação científica os comportamentos, emoções, ações e
realizações culturais da espécie humana. Ao propor que a natureza
humana fosse investigada conforme os mesmos métodos já testados e
aprovados em outros âmbitos de investigação, Hume não estava apenas
inaugurando uma nova forma de tentar entendê-la; também está rompendo
com uma concepção de natureza humana tradicional e influente. De certa
forma, Hume pretende fazer no âmbito da ciência do homem, o mesmo que
Newton realizou no âmbito da ciência natural: explicitar as leis e
princípios básicos que inexoravelmente comandam os modos de pensar, de
sentir e de conviver dos seres humanos.
O problema da causalidade
Quando
um evento provoca um outro evento, a maioria das pessoas pensa que
estamos conscientes de uma conexão entre os dois que faz com que o
segundo siga o primeiro.
Hume
questionou esta crença, notando que se é óbvio que nos apercebemos de
dois eventos, não temos necessariamente de aperceber uma conexão entre
os dois. E como havemos nós de nos aperceber desta misteriosa conexão
senão através da nossa percepção?
Hume
negou que possamos fazer qualquer ideia de causalidade que não através
do seguinte: Quando vemos que dois eventos sempre ocorrem
conjuntamente, tendemos a criar uma expectativa de que quando o
primeiro ocorre, o segundo seguirá.
Esta
conjunção constante e a expectativa dela são tudo o que podemos saber
da causalidade, e tudo o que a nossa ideia de causalidade pode inferir.
Uma tal conceptualização rouba à causalidade a sua força e alguns
humeanos posteriores, como Bertrand Russell, desmentiram a noção de
causalidade no geral como algo de parecido com a superstição.
Mas
isto é uma violação do senso comum. O problema da causalidade: O que
justifica a nossa crença numa conexão causal? Que tipo de conexão
podemos perceber? É um problema que não tem solução unânime. A
perspectiva de Hume parece ser que nós temos uma crença na causalidade
semelhante a um instinto, que se baseia no desenvolvimento dos hábitos
na nossa mente. Uma crença que não pode ser eliminada mas que também
não pode ser provada verdadeira por nenhum argumento, dedutivo ou
indutivo, tal como na questão da nossa crença na realidade do mundo
exterior.
O problema da indução
Todos
nós cremos que o passado é um guia confiável para o futuro. Por
exemplo: as leis da física descrevem como as órbitas celestes funcionam
para a descrição do comportamento planetário até aos dias de hoje.
Desse modo presumimos que vão funcionar para a descrição no futuro
também. Mas como podemos justificar esta presunção, o princípio da
indução?
Hume
sugeriu duas justificações possíveis e rejeitou ambas. A primeira
justificativa avaliada por Hume é que por razões de necessidade lógica,
o futuro tem de ser semelhante ao passado. Porém, Hume nota que podemos
conceber um mundo errático e caótico onde o futuro não tem nada que ver
com o passado ou então um mundo tal como o nosso até ao presente, até
que em certo ponto as coisas mudam completamente.
A
segunda justificação, mais modestamente, apela apenas para a segurança
passada da indução: sempre funcionou assim, por isso é provável que
continue a funcionar. No entanto, como Hume lembrou, esta justificação
apenas usa um raciocínio circular, justificando a indução por um apelo
que requer a indução para ter efeito.
O
problema da indução ainda permanece. A visão de Hume parece ser que nós
(como outros animais) temos uma crença instintiva que o nosso futuro
será semelhante ao passado, com base no desenvolvimento de hábitos do
nosso sistema nervoso. Uma crença que não podemos eliminar mas que não
podemos provar ser verdadeira por qualquer tipo de argumento, dedutivo
ou indutivo, tal como é o caso com respeito à nossa crença na realidade
do mundo exterior.
Para trabalho contemporâneo relevante, ver a compilação de Richard Swinburne: "The Justification of Induction".
A Teoria do Eu como feixe
(The Bundle Theory of the Self)
Costumamos
pensar que somos as mesmas pessoas que éramos há tempos atrás. Apesar
de termos mudado em muitos aspectos, a mesma pessoa está essencialmente
presente tal como estava no passado. Podemos começar a pensar sobre os
aspectos que se podem alterar sem que o próprio (indivíduo) subjacente
mude. Hume, no entanto, nega que exista uma distinção entre os vários
aspectos de uma pessoa e o indivíduo misterioso que supostamente
transporta todas estas características.
Porque
no fundo, como Hume afirma, quando se começa a introspecção, notamos
grupos de pensamentos, sentimentos e percepções; mas nunca percebemos
uma substância à qual possamos chamar de "o Eu". Por isso, tanto quanto
podemos dizer, conclui Hume, não há nada relativamente ao Eu que esteja
acima de um grande feixe de percepções transitórias. De notar que, na
perspectiva de Hume, não há nada a que estas percepções pertençam. Pelo
contrário, Hume compara a alma ao povo de uma nação (commonwealth),
que retém a sua identidade não em virtude de uma substância básica
permanente, mas que é composto de muitos elementos relacionados mas em
permanente mutação. A questão da identidade pessoal torna-se assim uma
questão de caracterizar a coesão frouxa da experiência pessoal vivida.
(Notar que no Apêndice do Tratado, Hume diz misteriosamente que
ele estava insatisfeito com o seu julgamento do Eu, sem no entanto ter
regressado a esta questão).
Para trabalho contemporâneo relevante, ver "Reasons and Persons", de Derek Parfit.
A razão prática: Instrumentalismo e Niilismo
A
maioria de nós pensa que certos comportamentos são mais razoáveis do
que outros. Parece haver qualquer coisa de abstruso em, por exemplo,
comer uma folha de alumínio. Mas Hume negou que a razão tivesse algum
papel importante em motivar ou desencorajar o comportamento. No fundo,
a razão é apenas uma espécie de calculador de conceitos e experiência.
O que no fundo importa, diz Hume, é como nos sentimos em relação a esse
comportamento. O seu trabalho gerou a doutrina do instrumentalismo, que
declara que uma ação é razoável se e somente se ela serve os objetivos
e desejos do agente, quaisquer que estes sejam. A razão pode entrar
neste esquema apenas como um servo, informando o agente de fatos úteis
relativos às ações que servem aos seus objetivos e desejos, mas nunca
condescendendo a dizer ao agente quais objetivos e desejos ele deverá
ter.
Assim,
se você quiser comer uma folha de alumínio, a razão lhe dirá onde
encontrar uma folha de alumínio, e não haverá nada de irracional em a
comer ou em o desejar. O instrumentalismo passará a ser uma visão
ortodoxa da razão prática em economia, teoria das escolhas racionais e
algumas outras ciências sociais. Mas alguns comentadores argumentam que
Hume foi mais além do niilismo, e disse que não há nada de irracional
em deliberadamente frustrar os seus próprios objetivos e desejos ("eu
quero comer folha de alumínio, por isso deixa-me selar a minha boca").
Tal comportamento seria altamente irregular, tirando qualquer papel à
razão, mas não seria contrário à razão, que é impotente em fazer
julgamentos neste domínio.
Para
trabalho contemporâneo relevante, ver "The Authority of Reason" de Jean
Hampton e "Rational Choice and Moral Agency" de David Schmidtz.
Anti-realismo moral e motivação
No
seu ataque ao papel da razão no julgamento do comportamento, Hume
argumentou que o comportamento imoral não é imoral por ser contra a
razão. Ele primeiro defendeu que as crenças morais estão
intrinsecamente motivantes: se você acredita que matar é errado, você
estará motivado "ipso facto" a não matar e em criticar a matança
(internalismo moral). Ele lembra-nos em seguida que a razão por si só
não motiva ninguém: a razão descobre os factos e a lógica, mas ela
depende dos nossos desejos e preferências quanto à percepção daquelas
verdades e se isso nos motiva. Consequentemente, a razão por si não
produz crenças morais. Hume propôs que a moralidade depende ultimamente
do sentimento, sendo o papel da razão apenas o de preparar o caminho
para os nossos sensíveis julgamentos por análise da matéria moral em
questão.
Este
argumento contra os fundamentos da moralidade na razão é hoje um dos
argumentos pertencentes ao arsenal do anti-realismo moral; o filósofo
Humeano John Mackieargumentou que para os factos morais serem factos
reais sobre o mundo e ao mesmo tempo, intrinsecamente motivantes, eles
teriam de ser factos muito estranhos. Temos pois todos os motivos para
desacreditá-los.
Para trabalho contemporâneo relevante, ver: "Inventing Right and Wrong", de J.L. Mackie; "Hume's Moral Theory", de Mackie; "Moral Realism and the Foundation of Ethics" de David Brink e "The Moral Problem" de Michael Smith.
Livre-arbítrio vs. indeterminismo
(Free Will vs. Indeterminism)
Todos
nós já notamos o aparente conflito entre o livre-arbítrio e o
determinismo: se as nossas acções foram determinadas há milhões de
anos, como poderá ser que elas dependam de nós? Mas Hume notou um outro
conflito, que torna o problema da livre vontade num denso dilema: a
livre-vontade é incompatível com o indeterminismo. Imagine que as suas
acções não são determinadas pelos eventos precedentes. Nesse caso, as
suas acções serão completamente aleatórias. Em adição, e muito
importante para Hume, as ações não são determinadas pelo seu carácter,
as suas preferências, os seus valores, etc. Como é que alguém pode ser
sido por responsável pelo seu carácter? A livre-vontade parece requerer
o determinismo, porque senão o agente e a acção não estariam conectados
do modo necessário por acções livremente escolhidas.
Sendo
assim, quase todos nós acreditamos no livre-arbítrio, a livre vontade
parece inconsistente com o determinismo, mas a livre-vontade parece
requerer o determinismo.
Na
visão de Hume, o comportamento humano, como tudo o mais, é causado
(causal). Por isso mesmo, se tomamos as pessoas como responsáveis pelas
seus atos, devemos focar a recompensa ou a punição de forma a que eles
façam aquilo que é moralmente desejável e evitem aquilo que é
moralmente repreensível.
O problema do ser - dever ser
(The Is-Ought Problem)
Hume
notou que muitos escritores falam do que deve ser, na base de
enunciados acerca do que é. Mas parece haver uma grande diferença entre
enunciados descritivos (o que é) e enunciados prescritivos (o que
deveria ser). Hume apela aos escritores que tomem muito cuidado na
mudança do enunciado de um estado para o outro. Nunca sem se dar uma
explicação de como o enunciado- "deve ser" é suposto seguir ao
enunciado- "é". Mas como exactamente é que se pode derivar o "deve" de
um "é" ? Essa questão, colocada num pequeno parágrafo de Hume,
tornou-se uma das questões centrais da teoria da ética e costuma ser
atribuída a Hume a opinião de que tal derivação é impossível. (Outros
interpretam Hume como dizendo que não se pode ir de uma constatação
factual a um enunciado ético, mas que se o pode fazer sem atender à
natureza humana, isto é, sem prestar atenção aos sentimentos humanos).
G.E:
Moore defendeu uma posição similar com a seu "argumento da questão
aberta", que pretendia refutar qualquer identificação de propriedades
morais com propriedades naturais: a chamada "falácia naturalista".
Qualquer teórico ético que pretender dar à moralidade um fundamento
objectivo em aspectos mais mundanos da vida real está a lutar por uma
causa controversa, no mínimo.
Utilitarismo
Foi
provavelmente Hume quem, juntamente com os seus colegas do Iluminismo
escocês, avançou pela primeira vez a ideia de que a explicação dos
princípios morais deverá ser procurada na utilidade que eles tendem a
promover. O papel de Hume não deverá ser descrito com exagero, claro;
foi o seu compatriota Francis Hutcheson que cunhou o sloganutilitarista
"a maior felicidade para o maior número". Mas foi através da leitura do
"Tratado" de Hume que Jeremy Bentham sentiu pela primeira vez a força
do sistema utilitário: ele "sentiu como se escamas tivessem caído dos
seus olhos". No entanto, o "proto-utilitarismo" de Hume é muito
peculiar, da nossa perspectiva. Ele não pensa que a agregação de
unidades cardinais de utilidade será a fórmula para atingir a verdade
moral.
Pelo
contrário, Hume era um sentimentalista moral e, como tal, achava que
princípios morais não podem ser justificados intelectualmente. Alguns
princípios simplesmente são-nos apelativos e outros não o são. E a
razão porque princípios utilitaristas da moral são apelativos é que
eles promovem os nossos interesses e os dos nossos companheiros com os
quais simpatizamos.
Os
humanos são pouco flexíveis a aprovar coisas que ajudam a
sociedade-utilidade pública. Hume usou este dado para explicar como ele
avaliava um vasto campo de fenómenos, desde instituições sociais e
políticas governamentais até traços de carácter e talentos..
O problema dos milagres
Uma
forma de apoiar a religião é por apelo a milagres. Mas Hume argumentou
que no mínimo, os milagres não poderiam conferir muito apoio à
religião. Há vários argumentos sugeridos pelo ensaio de Hume, todos
eles à volta do seu conceito de milagre: nomeadamente a violação por
Deus das leis da Natureza. Um argumento é o de que é impossível violar
as leis da Natureza. Outro argumento afirma que o testemunho humano
nunca poderia ser suficientemente fiável para contra-ordenar a
evidência que temos das leis da Natureza. Outro argumento, menos
irredutível, mais defensável, é que devido à forte evidência que temos
das leis da natureza, qualquer pretensão de milagre está sobre pressão
desde o início e precisa de provas fortes para derrotar as nossas
expectativas iniciais. Este ponto tem sido aplicado sobretudo na
questão da ressurreição de Jesus, onde Hume sem dúvida perguntaria "o
que é que é mais provável ? que um homem se erga dos mortos ou que este
testemunho esteja incorrecto de uma forma ou de outra ?". Ou mais
suavemente, "o que é mais provável? que o Uri Geller pode realmente
fazer dobrar colheres com a sua mente ou que isso seja algum tipo de
truque?". Este argumento é a base do movimento céptico e um assunto
fundamental aos históricos da religião.
Para uma análise crítica e técnica (Bayesiana) de Hume, ver "Hume's Abject Failure" de John Earman — o título é sugestivo
O argumento teleológico
Um
dos argumentos mais antigos e populares para a existência de Deus é o
argumento teleológico - que toda a ordem e "objectivo" do mundo
evidencia uma origem divina. Hume usou o criticismo clássico do
argumento teleológico, e apesar do assunto estar longe de estar
esgotado, muitos estão convencidos de que Hume resolveu a questão
definitivamente. Aqui alguns dos seus pontos:
1.
Para o argumento teleológico funcionar, seria necessário que só nos
pudéssemos aperceber de ordem quando essa ordem resulta do desígnio
(criação). Mas nós vemos "ordem" constantemente, resultante de
processos presumivelmente sem consciência, como a geração e a
vegetação. O desígnio (criação) diz apenas respeito a uma pequena parte
da nossa experiência de "ordem" e "objectivo".
2.
O argumento do desígnio, mesmo que funcionasse, não poderia suportar
uma robusta fé em Deus. Tudo o que se pode esperar é a conclusão de que
a configuração do universo é o resultado de algum agente (ou agentes)
moralmente ambíguo, possivelmente não inteligente, cujos métodos
possuam alguma semelhança com a criação humana.
3.
Pelos próprios princípios do argumento teleológico, a ordem mental de
Deus e a funcionalidade necessitam de explicação. Senão, podemos
considerar a ordem do universo, etc, inexplicada.
4.
Muitas vezes, o que parece ser objectivo, onde parece que o objecto X
tem o aspecto A por forma a assegurar o fim F, é melhor explicado pelo
processo da filtragem: ou seja, o objecto X não existiria se não
possuísse o aspecto A, e o fim F é apenas interessante para nós. Uma
projecção humana de objectivos na natureza. Esta explicação mecânica da
teleologia antecipou a selecção natural, e é de se observar que um
século antes de Darwin.
Para trabalho contemporâneo relevante, ver "Hume's Philosophy of Religion" de J.C.A. Gaskin e "The Existence of God" de Richard Swinburne. Para uma perspectiva de um filósofo da biologia, ver "Philosophy of Biology" de Elliot Sober.
Sociologia da Religião de Hume
David
Hume ficou conhecido sobretudo pelas contribuições na filosofia. Mas
não menos dignas de destaque são as observações na análise da religião.
Pode falar-se de ideias pioneiras para a sociologia da religião, que
ficam patentes na obra de 1757, The Natural History of Religion.
Teoria da Oscilação
Hume
rejeita a ideia de uma evolução linear desde o politeísmo para o
monoteísmo como um sumário da evolução histórica dos últimos 2000 anos.
Na verdade, Hume acredita que o que a história mostra é antes um oscilar irracional entre politeísmo e monoteísmo. Chama-lhe um "flux and reflux" (fluxo e refluxo, um oscilar) entre as duas opções. Nas palavras de Hume: "a
mente humana mostra uma tendência maravilhosa para oscilar entre
diferentes tipos de religião: eleva-se do politeísmo para o monoteísmo
para voltar a afundar-se na idolatria"
Como
Gellner afirma, esta oscilação não é o resultado de qualquer
racionalidade, mas sim dos "mecanismos do medo, incerteza, da
superioridade e inferioridade".
Do politeísmo para o monoteísmo
Os
povos que adoram vários deuses com poderes limitados podem facilmente
conceber um Deus com um poder mais extenso, ainda mais digno de
veneração do que os outros. "Neste processo, os homens chegam ao
estágio de um só Deus como ser infinito, a partir do qual nenhum
progresso é possível".
Do monoteísmo para o politeísmo
Esse
Deus único, todo poderoso, é porém igualmente um Deus distante e de
difícil acesso para o comum dos mortais (sobretudo se estes são
analfabetos - e na Europa da Idade Média, a esmagadora maioria da
população era analfabeta). O contacto directo com as escrituras
sagradas na Idade Média permanecia um privilégio de uma casta limitada
- o clero. A maioria do povo comum, analfabeto, sente-se
impossibilitado de aceder a Deus por via "directa". Neste momento,
torna-se visível um princípio psicológico que caminha numa direcção
contrária.
Esse
princípio psicológico é a ideia de que os homens vivem em busca da
protecção, do apoio. Torna-se necessária a figura de intermediários
perante o comum dos mortais e o Deus todo poderoso. Uma função para os
santos, relíquias, … "Estes semi-deuses e intermediários, que são
vistos pelos homens como parentes e lhes parecem menos distantes, são
objecto da adoração e assim, a idolatria está de volta…"
Novamente de regresso ao monoteísmo
Mas
mais uma vez, o pêndulo tem de retornar. Como Gellner afirma, em breve,
"o Panteão torna a encher-se". Hume: "À medida que estas diferentes
formas de idolatria dia por dia descem às formas cada vez mais baixas e
ordinárias, acabam por se autodestruir e as horríveis formas de
idolatria vão acabar por provocar um retorno e um desejo de regresso ao
monoteísmo… Por isso (entre os judeus e os muçulmanos) há proibição de
figuras humanas na pintura e mesmo na escultura, porque eles receiam
que a carne seja fraca e que acabe por se deixar levar para a
idolatria".
Hume
mostra exemplos desta evolução: é a luta de Jeová contra os Bealim de
Canaã, da Reforma contra o Papado, e do Islão contra as tendências
pluralistas (ver sufismo).
A Importância do Filósofo na História
§
Em síntese, David Hume foi um filósofo empirista quanto ao problema da
origem do conhecimento, cético em relação á metafísica e utilitário
altruísta em assuntos morais e políticos. Concebeu a filosofia como
ciência indutiva da natureza humana e chegou à conclusão de que o homem
é muito mais um ser prático e sensitivo do que racional. Desempenhou
papel relevante dentro da história do pensamento ao levar á ultima
consequência a tradição intelectual originada e desenvolvida
principalmente na Inglaterra, desde os nominalistas da escola de
Oxford, no século XIII, passando por Francis Bacon (1561-1626), até sua
formulação mais completa com John Locke.
§
Como consequência, despertou Kant (1724-1804) de seu “sono dogmático” e
o fez criar a filosofia crítica, a partir da devastadora análise do
conceito de causalidade. Foi fator essencial na formulação do
positivismo de Auguste Comte (1798-1873). No século XX, os positivistas
lógicos devem muito aos fundamentos que Hume lançou para o
desenvolvimento de um teoria da significação.
Influência de Hume na constituição americana
Como Douglass Adair sugeriu, o livro de David Hume, "Essays, Moral, Political and Literary" terá influenciado directamente James Madison na formulação da Constituição Americana. No ensaio ali contido "Idea of a Perfect Commonwealth",
Hume refuta a ideia de Montesquieu de que uma grande nação está
condenada a ser corrupta e ingovernável. Pelo contrário, afirma Hume,
uma nação extensa pode ser, devido à sua diversidade geográfica e
socio-económica, bem mais estável do que nações pequenas. Hume escreve:
"Apesar de as pessoas como um órgão serem incapazes de governar,
caso elas se dispersarem em pequenas unidades (tais como colónias
individuais ou estados) elas são mais susceptíveis de se submeter à
razão e à ordem; a força das correntes populares (populismo) e marés é,
em grande medida, quebrada". A elite conspiradora necessitará de
passar mais tempo a coordenar os movimentos das várias partes do todo,
do que a planear o derrube. "Ao mesmo tempo, as partes estão tão
distantes e remotas que é muito difícil, seja por intriga ou paixão,
levá-las a tomar medidas contra o interesse público." James
Madison, que estudara em Princeton, e ali tinha tomado contacto com a
obra de Hume, incorporou esta visão no seu "Notes on the Confederacy",
publicado em Abril de 1787, 8 meses antes dele ter escrito o ensaio
defendendo a Constituição, como parte dos "Federalist Papers".
Obra
§ Tratado da Natureza Humana (1739-1740)
§ Investigação sobre o Entendimento Humano (1748)
Contém
uma revisão dos pontos principais do tratado, livro 1, com a adição de
material sobre a livre vontade, milagres e o argumento teleológico.
§ Investigação sobre os Princípios da Moral (1751)
Outra
revisão do material do tratado para apelar mais ao gosto popular. Hume
considerou esta como a melhor das suas obras filosóficas, quer quanto
às ideias filosóficas como no seu estilo literário.
§ Diálogos sobre a Religião Natural (póstumo)
Uma
discussão entre três personagens ficcionais - Cleantes, Fílon, e Demea
- acerca do argumento teleológico, o argumento cosmológico, o problema
do mal e as relações entre a religião e a moral.
A
obra é um forte ataque à tentativa de estabelecer a existência de Deus
por processos racionais e tem servido de inspiração a muitos críticos
modernos da religião. Apesar de haver alguma controvérsia, a maioria
dos académicos acredita que Fílon é a personagem que melhor reflecte as
ideias de Hume.
§ Ensaios: Morais, Políticos e Literários (editados pela primeira vez em (1741-1742))
Uma
série de ensaios, revistos várias vezes ao longo da sua vida. A
história relativa a que ensaios foram adicionados ou removidos parece
menos relevante. "Sobre a estação média da vida", "Que a política possa
ser reduzida a uma ciência", "Da origem do governo", "Da liberdade
civil", "Do comércio", "Da densidade populacional de nações antigas", e
"Sobre o suicídio", para nomear apenas alguns.
§ A História da Grã-Bretanha (1754-1762)
Esta
é mais uma categoria de livros do que uma única obra. Uma história
monumental, "desde a invasão de Júlio César até à Revolução Gloriosa de
1688".
Foi
também a obra melhor conhecida de Hume durante a sua vida, tendo tido
mais de 100 edições. Foi considerada por muitos como a referência
essencial da História da Inglaterra até à publicação da monumental
"História de Inglaterra" de Thomas Macaulay.
§ História Natural da Religião (1757)
Este
livro é considerado por alguns como a primeira obra científica a
debruçar-se sobre a sociologia da religião. Ernest Gellner diz que este
livro permanece um dos melhores tratados deste tipo, talvez mesmo o
melhor.
§ Da imortalidade da alma e outros textos póstumos.
Leibniz, Gottfried (1646-1716)
Gottfried Wilhelm von Leibniz
(Leipzig, 1 de julho de 1646 — Hanôver, 14 de novembro de 1716) foi um
filósofo, cientista,matemático, diplomata e bibliotecário alemão.
A
ele é atribuída a criação do termo "função" (1694), que usou para
descrever uma quantidade relacionada a uma curva, como, por exemplo, a
inclinação ou um ponto qualquer situado nela. É creditado a Leibniz e a
Newton o desenvolvimento do cálculomoderno, em particular o
desenvolvimento da Integral e da Regra do Produto. Demonstrou
genialidade também nos campos dalei, religião, política, história,
literatura, lógica, metafísica e filosofia.
Biografia
O
pai era professor de filosofia moral em Leipzig e morreu em 1652,
quando Leibniz tinha apenas seis anos. Em 1663 ingressa na Universidade
de Leipzig, como estudante de Direito. Em 1666 obtém o grau de doutor em
direito, em Nuremberg, pelo ensaio prenunciando uma das mais
importantes doutrinas da posterior filosofia. Nessa época afilia-se à
Sociedade Rosacruz, da qual seria secretário durante dois anos.
Foi
o primeiro a perceber que a anatomia da lógica - “as leis do
pensamento”- é assunto de análise combinatória. Em 1666escreveu De Arte Combinatória,
no qual formulou um modelo que é o precursor teórico de computação
moderna: todo raciocínio, toda descoberta, verbal ou não, é redutível a
uma combinação ordenada de elementos tais como números, palavras, sons
ou cores.
Na
visão que teve da existência de uma “característica universal”, Leibniz
encontrava-se dois séculos à frente da época, no que concerne à
matemática e à lógica.
Aos
22 anos, foi-lhe recusado o grau de doutor, alegando-se juventude.
Tinha vinte e seis anos, quando passou a ter aulas comChristiaan
Huygens, cujos melhores trabalhos tratam da teoria ondulatória da luz. A
maior parte dos papéis em que rascunhava suas ideias, nunca revisando,
muito menos publicando, encontra-se na Biblioteca Real de Hanôver
aguardando o paciente trabalho de estudantes. Leibniz criou uma máquina
de calcular, superior à que fora criada por Pascal, fazendo as quatro
operações.
Em
Londres, compareceu a encontros da Royal Society, em que exibiu a
máquina de calcular, sendo eleito membro estrangeiro da Sociedade antes
de sua volta a Paris em março de1673. Em 1676, já tinha desenvolvido
algumas fórmulas elementares do cálculo e tinha descoberto o teorema
fundamental do cálculo, que só foi publicado em 11 de julho de 1677,
onze anos depois da descoberta não publicada de Newton. No período entre
1677 e 1704, o cálculo leibniziano foi desenvolvido como instrumento de
real força e fácil aplicabilidade nocontinente, enquanto na Inglaterra,
devido à relutância de Newton em dividir as descobertas matemáticas, o
cálculo continuava uma curiosidade relativamente não procurada.
Durante
toda a vida, paralelamente à Matemática, Leibniz trabalhou para
aristocratas, buscando nas genealogias provas legais do direito ao
título, tendo passado os últimos quarenta anos trabalhando
exclusivamente para a família Brunswick, chegando a confirmar para os
empregadores o direito a metade de todos os tronos da Europa. As
pesquisas levaram-no pela Alemanha, Áustria e Itália de 1687 a 1690. Em
1700, Leibniz organizou a Academia de Ciências da Prússia, da qual foi o
primeiro presidente. Esta Academia permaneceu como uma das três ou
quatro principais do mundo até que os nazistas a eliminaram.
Morreu solitário e esquecido. O funeral foi acompanhado pelo secretário, única testemunha dos últimos dias.
Filósofo
O
pensamento filosófico de Leibniz parece fragmentado, porque seus
escritos filosóficos consistem principalmente de uma infinidade de
escritos curtos: artigos de periódicos, manuscritos publicados muito
tempo depois de sua morte, e muitas cartas a muitos correspondentes. Ele
escreveu apenas dois tratados filosóficos, dos quais apenas "Téodiceia"
de 1710 foi publicado em sua vida.
Leibniz
data o seu começo na historia da filosofia com seu "Discurso sobre
metafísica", que ele compôs em 1686 como um comentário sobre uma
contínua disputa entre Malebranchee Antoine Arnauld. Isto levou a uma
extensa e valiosa correspondência com Arnauld;o Discurso sobre
metafisica não foi publicado até o século 19. Em 1695, Leibniz fez sua
entrada pública na filosofia europeia, com um artigo de jornal
intitulado "Novo Sistema da Natureza e da comunicação das
substâncias".Entre 1695 e 1705, compôs o seu "Novos ensaios sobre o
entendimento humano", um longo comentário sobre John Locke em seu
"Ensaios sobre o entendimento humano", mas ao saber da morte de Locke,
1704, perdeu o desejo de publicá-lo, Isto aconteceu até que os novos
ensaios foram publicados em 1765. "A Monadologia", composta em 1714 e
publicado postumamente, é constituída por 90 aforismos.
Leibniz
conheceu Espinoza, em 1676, leu alguns de seus escritos inéditos, e
desde então tem sido suspeito de apropriar-se de algumas das ideias de
Espinosa. Embora Leibniz admirasse o poderoso intelecto de Espinosa, ele
ficou francamente desanimado com as conclusões de Spinoza,
especialmente por estas serem incompatíveis com a ortodoxia cristã.
Ao
contrário de Descartes e Espinoza, Leibniz tinha uma formação
universitária completa na área de filosofia. Sua carreira começou, ao
longo de uma influência escolar e aristotélica traindo a forte
influência de um de seus professores de Leipzig, Jakob Thomasius, que
também supervisionou a sua tese de Licenciatura em Filosofia. Leibniz
leu ansiosamenteFrancisco Suárez, jesuíta espanhol respeitado, mesmo em
universidades Luteranas. Leibniz estava profundamente interessado em
novos métodos e nas conclusões de Descartes,Huygens, Newton e Boyle, mas
viu estes trabalhos através de uma lente fortemente matizada por noções
escolásticas. No entanto, a verdade é que os métodos de Leibniz e suas
preocupações, muitas vezes anteciparam a lógica e a analítica, assim
como a filosofia da linguagem do século 20.
Princípios
Liberdade x determinação: Leibniz admitia uma série de causas eficientes
a determinar o agir humano dentro da cadeia causal do mundo natural.
Essa série de causas eficientes dizem respeito ao corpo e seus atos.
Contudo, paralela a essa série de causas eficientes, há uma segunda
série, a das causas finais. As causas finais poderiam ser
consideradas como uma infinidade de pequenas inclinações e disposições
da alma, presentes e passadas, que conduzem o agir presente. Há, como em
Nietzsche, uma infinidade imensurável de motivos para explicar um
desejo singular. Nesse sentido, todas as escolhas feitas tornam-se
determinantes da ação. Cai por terra a noção de arbitrariedade ou de
ação isolada do contexto. Parece também cair por terra a noção de ação
livre, mas não é o que ocorre. Leibniz acredita na ação livre, se ela
for ao mesmo tempo 'contingente, espontânea e refletida'.
A Contingência:
A contingência opõe-se à noção de necessidade, não à de determinação. A
ação é sempre contingente, porque seu oposto é sempre possível.
A Espontaneidade:
A ação é espontânea, quando o princípio de determinação está no agente,
não no exterior deste. Toda ação é espontânea e tudo o que o indivíduo
faz depende, em última instância, dele próprio.
A Reflexão:
Qualquer animal pode agir de forma contingente e espontânea. O que
diferencia o animal humano dos demais é a capacidade de reflexão que,
quando operada, caracteriza uma ação como livre. Os homens têm a
capacidade de pensar a ação e saber por que agem.
As Mônadas:
A contribuição mais importante de Leibniz para a metafísica é a sua
teoria sobre as mônodas, expostas em sua obra Mônadologia.As mônadas
equivalem para a realidade metafisica, o que os átomos equivalem para os
fenômenos físicos.As mônadas são os elementos máximos do universo.As
mônadas são "formas substancias do ser com as seguintes propriedades:
elas são eternas, indecompostas, individuais, sujeita as suas próprias
leis, sem interação mútua, e cada uma refletindo o próprio universo
dentro de umaharmonia pré-estabelecida (historicamente um exemplo
importante de panpsiquismo). Mônadas são centros de forças; substância é
força, enquanto o espaço, extensão e movimento são meros fenômenos.
A
essência ontológica das mônadas é sua simplicidade irredutível.Assim
como os átomos, as mônadas não possuem nenhuma matéria ou caráter
espacial.Elas ainda se diferenciam dos átomos por sua completa mútua
independência, assim as interações entre as mônadas são só aparentes.Em
vez disso por força do principio da harmonia pré-estabelecida, cada
mônada, segue uma instrução pré-programada, peculiar para si, assim uma
mônada sabe o que fazer em cada situação. (Essas "instruções" podem ser
análogas as leis cientificas que governam as partículas
sub-atômicas).Pelo principio dessas instruções intrínsecas, cada monada é
como um pequeno espelho do universo.Mônadas não são necessariamente
"diminutas"; e.g., cada ser humano é constituído por uma mônada, na qual
o tema do livre-arbítrio é problematizado.Deus, também, é uma Mônoda, e
a existência de Deus pode ser inferida através da harmonia que se
prevalece diante de todas as mônadas; Deus através de sua razão e
vontade se afigura o universo através da harmonia pré-estabelecida.
As mônadas são referidas e problematizadas por outras correntes filosóficas por:
- Problematização das interações entre a mente e a extensão, como abordado no sistema de Descartes.
- Falta de individualização inerente no sistema de Espinoza, da qual representa as criaturas individuais como meros acidentes.
- A mônodalogia parece arbitraria, até mesmo excêntrica.
Cientista e Engenheiro
Os
escritos de Leibniz estão a ser discutidos até os dias de hoje, não
apenas por suas antecipações e possíveis descobertas ainda não
reconhecidas, mas como formas de avanço do conhecimento atual. Grande
parte de seus escritos sobre a física está incluído na Escritos
Matemáticos de Gerhardt.
Física:
Leibniz teve grandes contribuições para a estática e a dinâmica
emergentes sobre ele, muitas vezes em desacordo com Descartes e Newton.
Ele desenvolveu uma nova teoria do movimento (dinâmicas) com base na
energia cinética e energia potencial, que postulava o espaço como
relativo, enquanto Newton sentira fortemente o espaço como algo
absoluto. Um exemplo importante do pensamento maduro de Leibniz na
questão da física é seu Specimen Dynamicum de 1695.
Até
a descoberta das partículas subatômicas e da mecânica quântica que os
regem, muitas das ideias especulativas de Leibniz sobre aspectos da
natureza não redutível a estática e dinâmica faziam pouco sentido. Por
exemplo, ele antecipou Albert Einstein, argumentando, contra Newton, que
o espaço, tempo e movimento são relativos, não absolutos. As regras de
Leibniz são importantes, se muitas vezes esquecidas, provas em diversos
campos da física. O princípio da razão suficiente tem sido invocado na
cosmologia recente, e sua identidade dos indiscerníveis na mecânica
quântica, um campo de algum crédito, mesmo com ele tendo antecipado em
algum sentido. Aqueles que defendem a filosofia digital, uma direcção
recente em cosmologia, alegam Leibniz como precursor.
Locke, John (1632-1704)
John Locke
(Wringtown, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de 1704) foi
um filósofo inglês e ideólogo doliberalismo, sendo considerado o
principal representante do empirismo britânico e um dos principais
teóricos do contrato social.
Locke
rejeitava a doutrina das ideias inatas e afirmava que todas as nossas
ideias tinham origem no que era percebido pelos sentidos. Escreveu o Ensaio acerca do Entendimento Humano,
onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a natureza de nossos
conhecimentos. Suas ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na
Inglaterra. Locke dizia que todos os homens, ao nascer, tinham direitos
naturais: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir
esses direitos naturais, os homens haviam criado governos. Se esses
governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade,
o povo tinha o direito de se revoltar contra eles. As pessoas podiam
contestar um governo injusto e não eram obrigadas a aceitar suas
decisões.
Dedicou-se também à filosofia política. No Primeiro tratado sobre o governo civil,
critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando
que a vida política é uma invenção humana, completamente independente
das questões divinas. NoSegundo tratado sobre o governo civil, expõe sua teoria do Estado liberal e a propriedade privada.
Biografia
Estudou
medicina, ciências naturais e filosofia em Oxford, principalmente as
obras de Bacon e Descartes. Em 1683, John Locke fugiu para os Países
Baixos. Voltou à Inglaterra quando Guilherme de Orange subiu ao trono,
em 1688. Faleceu em 28 de outubro de 1704, com 72 anos. Locke nunca se
casou ou teve filhos.
Obra
Locke é considerado o protagonista do empirismo. Nega as ideias inatas, afirmando que a mente é uma tabula rasa, expressão latina que tem o sentido de "folha em branco.[1]
Esta teoria afirma que todas as pessoas nascem sem saber absolutamente
nada e que aprendem pela experiência, pela tentativa e erro. Esta é
considerada a fundação do "behaviorismo".
A
filosofia política de Locke fundamenta-se na noção de governo
consentido dos governados diante da autoridade constituída e o respeito
ao direito natural do ser humano, de vida, liberdade e propriedade.
Influencia, portanto, as modernas revoluções liberais: Revolução
Inglesa, Revolução Estadunidense e na fase inicial da Revolução
Francesa, oferecendo-lhes uma justificação da revolução e a forma de um
novo governo. Para fins didáticos, Locke costuma ser classificado entre
os empiristas britânicos, ao lado de David Hume e George Berkeley,
principalmente pela obra relativa a questões epistemológicas. Em ciência
política, costuma ser classificado na escola do direito natural ou
jusnaturalismo.
Para
Bernard Cottret, biógrafo de João Calvino, contrastando com a história
trágica da brutal repressão aos protestantes em França noséculo XVI e a
própria intolerância e zelo religioso radical de João Calvino em
Genebra, o nome de John Locke está intimamente associado à tolerância.
Uma tolerância que os franceses aprenderam a valorizar apenas na década
de 80 do século XVII, quase às portas do Iluminismo. Como Voltaire
afirmou, a tolerância é, para os franceses, um artigo de importação.
Bernard Cottret afirma: a tolerância é o produto de um espaço
geográfico específico, nomeadamente o noroeste da Europa. Ou seja: a
Inglaterra e os Países Baixos. E ela é, no final, em especial, a obra de
um homem - John Locke - a quem o século XVII dedica um culto permanente.[2]
Dentre os escritos políticos, a obra mais influente foi o tratado em duas partes, Dois Tratados sobre o Governo
(1689). A primeira descreve a condição corrente do governo civil; a
segunda parte descreve a justificação para o governo e os ideais
necessários à viabilização. Segundo Locke, todos são iguais e, a cada
um, deverá ser permitido agir livremente desde que não prejudique nenhum
outro. Com este fundamento, deu continuidade à justificação clássica da
propriedade privada ao declarar que o mundo natural é a propriedade
comum de todos, mas que qualquer indivíduo pode apropriar-se de uma
parte dele ao misturar o trabalho com os recursos naturais. Este tratado
também introduziu o "proviso de Locke", no qual afirmava que o direito
de tomar bens da área pública é limitado pela consideração de que ainda havia suficientes e tão bons e mais dos ainda não fornecidos podem servir,
por outras palavras, que o indivíduo não pode simplesmente tomar aquilo
que pretende, também tem de tomar em consideração o bem comum.
Em Ensaio acerca do Entendimento Humano
(1690), Locke propõe que a experiência é a fonte do conhecimento, que
depois se desenvolve por esforço da razão. Outra obra filosófica notável
é Pensamentos sobre a Educação, publicado em 1693. As fontes
principais do pensamento de Locke são: o nominalismo escolástico, cujo
centro era a Oxford; o empirismo inglês da época; o
racionalismodefendido por René Descartes e a filosofia de Malebranche.
A tolerância
Como
filósofo político, Locke pode ser considerado um precursor da
democracia liberal, dada a importância que atribui à liberdade e à
tolerância. O que estava em jogo era, obviamente, a tolerância
religiosa, contra os abusos do absolutismo.[3] De todo modo,
suas ideias fundamentaram as concepções de democracia moderna e de
direitos humanos tal como hoje é expressa nas cartas de direitos.[4].
Entretanto,
para John Locke, essa liberdade não seria aplicável ao "homem
primitivo", pois que os povos ditos primitivos não estariam associados
ao restante da humanidade no uso do dinheiro [5] e poderiam ser equiparados a bestas de caça ou bestas selvagens,[6]
(o que forneceu a base ideológica para a tomada das terras e o
extermínio de populações indígenas) nem aos papistas (católicos, na
expressão dos protestantes), que seriam como "serpentes, dos quais nunca
se conseguiria que abrissem mão de seu veneno com um tratamento gentil"
[7].
Reassalte-se
que tal atitude em relação aos indígenas não era verificada em
pensadores anteriores, como Bartolomé de las Casas e Montaigne, que, ao
se referir às populações extra-européias, dizia "Acho que não há nessa
nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram. A não ser
porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de seu costume".[8]. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 307.
A
tolerância não se aplicava tampouco as camadas que detinham menos
recursos econômicos, para às quais Locke defendia algumas medidas
severas, tais como:
§ Direcionar para o trabalho as crianças a partir de três anos, das famílias que não têm condições para alimentá-las [9].
§ Supressão das vendas de bebidas não estritamente indispensáveis e das tabernas não necessárias[10].
§
Obrigar os mendigos a carregar um distintivo obrigatório, para
vigiá-los, por meio de um corpo de espantadores de mendigos, e impedir
que possam exercer sua atividade fora das áreas e horários permitidos[11].
§
Os que forem surpreendidos a pedir esmolas fora de sua própria paróquia
e perto de um porto de mar devem ser embarcados coercitivamente na
marinha militar, outros pedintes abusivos devem ser internados em uma
casa de trabalhos forçados, na qual o diretor não terá outra remuneração
além da renda decorrente do trabalho dos internados[12].
§
Os que falsificarem um salvo-conduto para fugir de uma casa de
trabalho, devem ser punidos com um corte de orelhas e, na hipótese de
reincidência, com a deportação para as plantações, na condição de
criminosos[13].
A defesa da escravidão
Locke
é considerado pelos seus críticos como sendo "o último grande filósofo
que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua"[14].
Ao mesmo tempo que dizia que todos os homens são iguais, Locke defendia
a escravidão (sem distinguir que fosse a relativa aos negros).
Locke
somente sustenta a escravidão pelo contrato de servidão em proveito do
vencido na guerra que poderia ser morto, mas assume o ônus de servir em
troca de viver. Ou seja, a questão da escravidão não é relevante no seu
pensamento. Locke não defende a escravidão fundada em raça, mas somente
no contrato com o vencido na guerra. Locke contribuiu para a
formalização jurídica da escravidão na Província da Carolina, cuja norma
constitucional dizia: "(...) todo homem livre da Carolina deve ter absoluto poder e autoridade sobre os escravos negros seja qual for a opinião e religião."[15] Seus críticos ainda afirmam que ele investiu no tráfico de escravos negros[16], enquanto acionista da Royal African Company[17].
Ao
analisar essa questão, costuma-se ponderar a respeito do período
histórico em que Locke viveu, assim como a época de outros grandes
filósofos, a exemplo de Aristóteles, que foi o primeiro a fazer um
tratado político defendendo a escravidão. Na época, a escravidão era uma
prática comum, e isso classificaria Locke como um homem da época - o
que não diminuiria a importância das suas ideias, revolucionárias em
relação ao seu tempo.
Por
outro lado observa-se que Jean Bodin, pensador francês, defensor do
absolutismo, já era crítico do escravismo. Logo, a defesa do escravismo
não era o único pensamento em voga na época de Locke.
Também
é necessário lembrar que a defesa da escravidão decorre da defesa do
direito de propriedade, um dos grandes ideais do liberalismo, e isso une
Locke aos outros liberais clássicos - o direito de propriedade como um
dos direitos naturais do ser humano.
A
longa trajetória do liberalismo teve o exato início com John Locke, e é
notório que as ideologias sofrem adaptações com o tempo e com as
gerações posteriores. É óbvio que a defesa da escravidão não é inerente
ao liberalismo. Entretanto pode-se perceber uma correlação entre aqueles
que no passado defendiam a liberdade de possuir escravos, contra a
turbação do direito de propriedade decorrente da intervenção estatal por
meio de leis abolicionistas, e aqueles que hoje defendem a plena
liberdade no contrato de trabalho, contra o intervencionismo estatal das
leis trabalhistas.
Malebranche, Nicolas (1638-1715)
Em 1660
entrou para a Congregação do Oratório e, quatro anos mais tarde, foi
ordenado sacerdote. Ainda em 1664, a leitura de Descartes deixou-o tão
entusiasmado que resolveu dedicar-se ao estudo da filosofia. No entanto,
alguns comentaristas acreditam que esse interesse pela filosofia tenha
derivado de seus estudos sobre a filosofia dominante no Oratório (a de
Santo Agostinho).
Sua principal obra é De la recherche de la vérité
(Da procura da verdade), onde trata da natureza do espírito humano e do
que o homem deve fazer para evitar o erro nas ciências. Foi publicada
em três volumes, o primeiro em 1674 e os outros dois em1675.
Malebranche
critica os filósofos que estudam as relações da alma com o corpo, sem
considerar sua união com Deus. Segundo ele, o enfraquecimento das
relações da alma com Deus foi conseqüência do pecado original, que
fortaleceu a relação alma-corpo.
Em Da procura da verdade
ocorreria a dissolução dos erros provocados pela forte interação da
alma com o corpo. Para o filósofo, o erro é a causa da miséria dos
homens. Assim, afirmava ser necessário denunciar os erros e suas causas
através de uma análise das percepções da alma, que se realizariam por
três modos distintos: os sentidos, a imaginação e oentendimento.
Pregava, portanto, o exame dos erros devidos a cada uma dessas formas de
percepção. Mediante tal exame seria possível encontrar um critério
geral para a descoberta da verdade.
Por
outro lado, todos os movimentos que se efetuam entre os corpos e entre a
alma e o corpo, além dos movimentos internos da alma, teriam em Deus
sua causa eficiente. Essas relações, sendo estabelecidas pela razão
divina mediante uma ordem eterna e invariável, poderiam ser
compreendidas pelo entendimento, da mesma forma que as leis científicas.
Os seres particulares não seriam propriamente causas eficientes de nada
que ocorre, mas apenas ocasiões para o exercício da causa única que é
Deus, doutrina denominada ocasionalismo, porque causar é criar; e só
Deus pode criar. Por isso, o movimento é um paralelismo (o que também
sucede com os comportamentos humanos). Da alma não temos nenhuma ideia,
mas apenas uma persuasão interior. Deus, além disso, conteria em si
mesmo todas as idéias como arquétipo das coisas. O conhecimento da
verdade, por parte do homem, consistiria, em última instância, em um
visão de Deus.
Obras
§ Tratado da natureza e da graça, de 1680;
§ Tratado de moral, de 1684;
§ Meditações metafísicas e cristãs, de 1684;
§ Tratado do amor de Deus, de 1687.
Montesquieu (1689-1755)
Charles-Louis de Secondatt, ou simplesmente Charles de Montesquieu, senhor de La Brède ou barão de Montesquieu(castelo de La Brède,
próximo a Bordéus, 18 de Janeiro de 1689 — Paris, 10 de Fevereiro de
1755), foi um político, filósofo eescritor francês. Ficou famoso pela
sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das
modernasconstituições internacionais.
Aristocrata,
filho de família nobre, nasceu no dia 18 de Janeiro de 1689 e cedo teve
formação iluminista com padresoratorianos. Revelou-se um crítico severo
e irônico da monarquia absolutista decadente, bem como do clero
católico. Adquiriu sólidos conhecimentos humanísticos e jurídicos, mas
também frequentou em Paris os círculos da boêmia literária. Em 1714,
entrou para o tribunal provincial de Bordéus, que presidiu de 1716 a
1726. Fez longas viagens pela Europa e, de 1729 a 1731, esteve na
Inglaterra.
Proficiente escritor, concebeu livros importantes e influentes, como Cartas persas (1721), Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência (1734) e O Espírito das leis (1748), a sua mais famosa obra. Contribuiu também para a célebre Enciclopédia, juntamente com Diderot e D'Alembert..
Morreu em Paris, no dia 10 de Fevereiro de 1755.
Biografia
Montesquieu,
nasceu em 18 de janeiro de 1689, em Bordeaux, na França, no Castelo de
La Brède, propriedade da família. A mãe, Marie Françoise de Pesnel,
tinha origem inglesa e de família com negócios na área de vinhos e o
pai, Jacques Secondatde família nobre francesa.
Seu
aprendizado inicial foi em casa e somente aos onze anos entrou para o
Colégio Juilly. Era um colégio que tinha como alunos os filhos da mais
ricas famílias, comandado por padres oratorianos que ensinavam os alunos
utilizando a doutrina iluminista da época. Aos 16 anos entrou para a
faculdade de Direito da Universidade de Bordeaux. Em 1715 casou-se com a
rica Jeanne de Lartigue. Um ano depois, com a morte de um tio, herdou
uma fortuna, assumiu a presidência do parlamento de Bordeaux e foi
nomeado Barão de Montesquieu.
Iniciou, na Academia de Bordeaux, estudos na área do direito romano, biologia, física e geologia.
Com
estes estudos, Montesquieu pode se aprofundar no estudo iluminista que
tinha iniciado no Colégio Juilly, aliando as ciências naturais e as
questões humanas. Em pouco tempo o autor publicou textos sobre o
assunto, como Les causes de l'écho, Les glandes rénales e La cause de la
pesanteur des corps.
Sua
primeira obra de maior foi publicada em 1721, intitulada de "Cartas
Persas", que é uma sátira aos costumes e filosofia francesa. O autor
imprimiu uma alta dose de sarcasmo colocando dois viajantes persas em
Paris, trocando correspondências sobre a França com amigos na Pérsia.
Nesta obra a crítica às autoridades políticas e religiosas, bastante
comum entre os iluministas, é constante em todo o livro. Por meio dos
dois personagens Montesquieu aproveita para criticar tudo o que o
incomodava na sociedade francesa da época.
Depois
do êxito alcançado com "Cartas Persas" foi admitido nos grandes
círculos intelectuais de Paris. Aos 39 anos foi estudar na Academia
Francesa e como parte dos estudos iniciou uma maratona de viagens pela
Europa que proporcionaram a Montesquieu a oportunidade de conhecer obras
importantes para sua formação como as do historiador Pietro Giannone
(1676-1748) e do filósofo Vico (1668-1744). Depois de passar pela
Itália, Holanda e Alemanha terminou sua peregrinação na Inglaterra lugar
onde concluiu sua formação intelectual. Na ilha relacionou-se com os
círculos políticos, entrou para a maçonaria e para a Academia Real.
Neste período teve grande contato com a doutrina iluminista. Com a
conclusão das viagens Montesquieu ficou recluso por dois anos,
dedicando-se exclusivamente a escrever.
Montesquieu
fascinado pelo progresso das Ciências Físicas/Naturais e de suas
descobertas a respeito das leis que regiam o mundo físico, tratadas
diversas vezes em seus ensaios propôs a partir daí que a realidade
social, semelhantemente, também devia reger-se por leis. E por
conseguinte trocou sua Magistratura pelo estudo para desvendar as leis
sociais. Tendo tomado conhecimento dos vários problemas sociais da
Europa, além de ter sido um grande leitor e conhecedor dos impérios
antigos, tais como: Roma, Grécia, Cartago, Egito, Pérsia, China,
Macedônia, Japão e os povos Hebreu, Árabe, Turco, dentre outras etnias e
países.
Nesse
período escreveu sua principal obra, "Do Espírito das Leis" que se
tornou referência mundial para advogados, legisladores e outros
cientistas sociais. A obra faz um vasto estudo nas áreas de direito,
história, economia, geografia e teoria política que percorreu mais de
dez anos até sua publicação em 1748.
Ele
sofreu ao mesmo tempo uma avalanche de elogios e de represálias de
todos os lados. Chegou a publicar posteriormente um livro resposta
chamado "Defesa do Espírito das Leis". O autor faleceu em fevereiro de
1755.
Contexto Histórico: visão política e ideias principais
Um
breve retrocesso histórico se faz necessário para compreender alguns
acontecimentos gerais que levaram às características da corrente
iluminista, da qual Montesquieu se destacou com um dos principais
teóricos. O embasamento de um poder divino atribuído aos monarcas
europeus enfraquece a partir do momento que Lutero, em 1518, lê a
passagem “o justo viverá pela fé” da Epístola de São Paulo aos romanos.
Sua interpretação de que os indivíduos não deveriam recorrer à Igreja
para pagar indulgências gerou conflitos ao redor de toda a Europa até
que, em tese, o Tratado de Vestfália (1648) colocasse fim às guerras,
reconhecendo a soberania de cada Estado em termos de escolha de
religião. Com isso, a explicação para as coisas passa a não mais estar
no transcendental, mas no próprio homem e eis que surge o Iluminismo
como tentativa de fazer das ciências naturais as ciências da razão e da
experimentação. Tal indutivismo aparece como uma quebra de paradigmas
com o que se tinha no século XVII, a construção de um racionalismo
aplicado à geometria, à dedução, que Baruch Spinoza mostra bem em sua
Ética de 1677. O foco agora são os ensinamentos históricos, factuais – o
que propicia a Sociologia comparativa de Montesquieu – e a tentativa de
aglomerar o conhecimento comum na ciência, nas artes e nos ofícios – a
Encyclopédie de Diderot e de D'Alambert.A própria música do tempo destes
homens detinha uma característica comum a dos estudiosos, de certa
forma. Aparece o conceito de virtuosismo, no início do século XVII,
atribuído àquele que explorava ao máximo o seu instrumento,
desenvolvendo novas linguagens musicais a serem expressadas. Isso se
manifestou na inovação barroca com um estilo quase que discursado – a
ópera – e estilos estritamente instrumentais – a suíte e o concerto –,
que possuem linhas agudas e graves definidas e que deixa aos
instrumentos de frequência média a possibilidade de variar a melodia de
acordo com a nuança de cada autor, demonstrando seu característico
virtuosismo. Porém, a partir da segunda metade do século XVIII e com a
morte do compositor Bach, uma transição musical para algo mais
simplificado3 foi inevitável. Como tudo o mais, os trabalhos iluministas
também proporcionaram uma transição à algo que, a priori, seria mais
estável.
Desde
o fim da Idade Média, quando os reis começam a tomar o poder que os
senhores feudais tinham sobre suas terras, a nobreza ociosa passa a
franquear o trono e a almejar o poder. Os reis buscam então o apoio das
massas, não confiando mais no pessoal de sua corte4 e, fazendo isso,
concedem gradualmente mais benefícios àqueles, na forma de menos
servidões, no fim das contas. O poder absolutista, cada vez mais cruel e
centralizado, culmina drasticamente com o governo de Luís XIV (1643 -
1715). A insatisfação já era grande nesta época de altos gastos com o
luxo na corte – como mostra bem a arte rococó, com seus quadros
exaltando os prazeres do cotidiano aristocrático, suas festas, sua
sensualidade – enquanto a população estava imersa na miséria. Com o
nascente sistema capitalista em ação, uma nova esperança surge no
imaginário das pessoas, a saber, a superação da escassez dos bens
necessários à vida, a superação de um antigo e comum temor popular.
Ademais, a emancipação do indivíduo enquanto sujeito de sua atividade
econômica – dotado de propriedade privada, graças ao liberalismo precoce
de Locke –, em oposição ao mercantilismo estatal, foram importantes
fatores, existentes principalmente na Inglaterra, para o que se
seguiria.
A
arquitetura rococó pomposa e cortesã era a mesma arquitetura repleta de
janelas que deixavam adentrar a luz, e em 1789 eclode a Revolução
Francesa e a junção entre burguesia e classes populares, embora
momentânea, foi selada. A volta ao pensamento indutivo, à forma humana,
ao equilíbrio do Neoclassicismo foi o legado que homens como Montesquieu
deixaram para a arte do século posterior. A teoria política criada por
ele e que se reflete na divisão dos poderes estatais, por exemplo, são
aulas de vida para acadêmicos e políticos até os dias de hoje.
§ Montesquieu defendia a divisão do poder em três:
§ Poder Executivo (órgão responsável pela administração do território e concentrado nas mãos do monarca ou regente);
§ Poder Legislativo (órgão responsável pela elaboração das leis e representado pelas câmaras de parlamentares);
§ Poder Judiciário(órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e exercido por juízes e magistrados).
§ Era a favor Monarquia Parlamentar.
Outra
importante teoria de Montesquieu trata das relações das formas de
Governo e seus princípios, segundo o autor as formas seriam as
seguintes:
§ República - Democracia (Princípio–Patriotismo)
*Formas de Governo
§ Aristocracia(Princípio–Moderação)
§ Monarquia (Princípio-Honra)
§ Despotismo(Princípio – Terror)
Montesquieu atribuiu mais algumas classificações a estas formas de governo, tais como:
*Formas Puras:
§ Monarquia: Governo de um só
§ Aristocracia: Governo de vários
§ Democracia: Governo do povo
*Formas Impuras:
§ Tirania: Corrupção da Monarquia
§ Oligarquia: Corrupção da Aristocracia
§ Demagogia: Corrupção da Democracia
Obras, crítica e filosofia de Montesquieu
Cartas Persas (Lettres persanes)
Em 1721, publicou as Cartas Persas (Lettres persanes), obra da sua juventude, e consistia num relato imaginário, sob a forma epistolar, sobre a visita de dois persas, Rica e Usbeck,
a Paris, durante o reinado de Luís XIV. As duas personagens escrevem
para seus amigos na Pérsia descrevendo tudo o que veem em Paris. Por
meio desta narrativa, critica os costumes, as instituições políticas e
os abusos da Igreja Católica e do Estado absolutista na França da época.
O Espírito das Leis (L'Esprit des lois)
Montesquieu elaborou uma teoria política, que apareceu na sua obra mais famosa, o O Espírito das Leis (L'Esprit des lois,
1748), inspirada em John Locke e no seu estudo das instituições
políticas inglesas. É uma obra volumosa, na qual se discute a respeito
das instituições e das leis, e busca-se compreender as diversas
legislações existentes em diferentes lugares e épocas. Esta obra
inspirou os redatores da Constituição de 1791 e tornou-se na fonte das
doutrinas constitucionais liberais, que repousam na separação dos
poderes legislativo, executivo e judiciário.
"O Espírito das Leis" foi proibida em diversos círculos intelectuais e também incluída no Index Librorum Prohibitorum
da Igreja Católica. Foi também duramente recriminado pelo clero
francês, na Sorbonne e em diversos artigos, panfletos e outros escritos.
Toda essa reacção negativa deu a obra uma maior abrangência e
repercussão que a conseguida por "Cartas Persas".
"O Espírito das Leis"
analisa de maneira extensa e profunda os fatos humanos com um rigoroso
esboço de interpretação do mundo histórico, social e político. A
pertinência das observações e a preocupação com o método permitem
encontrar no seu trabalho elementos que prenunciam uma análise
sociológica. Eis algumas das principais ideias de Montesquieu expressas
nesta obra tão importante:
§ As
leis escritas ou não, que governam os povos, não são fruto do capricho
ou do arbítrio de quem legisla. Ao contrário, decorrem darealidade
social e da História concreta própria ao povo considerado. Não existem
leis justas ou injustas. O que existe são leis mais ou menos adequadas a
um determinado povo e a uma determinada circunstância de época ou
lugar. O autor procura estabelecer a relação das leis com as sociedades,
ou ainda, com o espírito dessas.
O
que Montesquieu descreve como espírito geral de uma sociedade aparece
como resultante de causas físicas (o clima), causas morais(costumes,
religião…) e das máximas de um governo (ARON, R.). Modernamente,
seria o que chamamos vulgarmente de uma identidade nacional que se
constitui conforme os fatores citados acima.
As
máximas anteriormente descritas dizem respeito aos, segundo o próprio
autor, tipos e conceitos que dariam conta daquilo que as causas não
abrangem. Seriam por conseguinte o princípio (o que põe os governos em
movimento, o princípio motor em linguagem filosófica, constituído pelas
paixões e necessidades dos homens) e a natureza (aquilo que faz um
governo ser o que é, determinado pela quantidade daqueles que detêm a
soberania) de um governo.
Segundo estas duas características fundamentais de um governo, Montesquieu distingue três formas de governo:
§ Monarquia - soberania nas mãos de uma só pessoa (o monarca) segundo leis positivas e o seu princípio é a honra;
§ Despotismo - soberania nas mãos de uma só pessoa (o déspota) segundo a vontade deste e o seu princípio é o medo;
§
República - a soberania está nas mãos de muitos (de todos = democracia,
ou de alguns = aristocracia) e o seu princípio motor é avirtude;
Apesar
de ser muito influenciado pelos clássicos (notadamente Aristóteles), o
seu esquema de governos é diferente destes últimos. Montesquieu, ao
considerar a democracia e a aristocracia um mesmo tipo (agrupados na
república) e ao falar de despotismo como um tipo em si e não a corrupção
de outro (neste caso, da monarquia), mostra-se mais preocupado com a
forma com que será exercido o poder: se é exercido seguindo leis ou não.
Ao procurar descobrir as relações que as leis têm com a natureza e o princípio de cada governo, Montesquieu desenvolve uma alentada teoria de governo que alimenta as ideias fecundas do constitucionalismo,
pelo qual se busca distribuir a autoridade por meios legais, de modo a
evitar a violência e o abuso de poder de alguns. Tais ideias se
encaminham para uma melhor definição da separação dos poderes, ainda
hoje uma das pedras angulares do exercício do poder democrático.
Montesquieu admirava a constituição inglesa, mesmo sem compreendê-la
completamente, e descreveu cuidadosamente a separação dos poderes em
Executivo, Judiciário e Legislativo, trabalho que influenciou os
elaboradores da Constituição dos Estados Unidos da América.
O
poder legislativo, convocado pelo executivo, deveria ser separado em
duas casas: o corpo dos comuns, composto pelos representantes do povo, e
o corpo dos nobres, formado por nobres, hereditário e com a faculdade
de impedir (vetar) as decisões do corpo dos comuns. Essas duas casas
teriam assembleias e deliberações separadas, assim como interesses e
opiniões independentes. Refletindo sobre o abuso do poder real,
Montesquieu conclui que "é preciso que o poder limite o poder" daí a
necessidade de cada poder manter-se autônomo e constituído por pessoas e
grupos diferentes.
É
bem verdade que a proposta da divisão dos poderes ainda não se encontra
em Montesquieu com a força que costumou-se posteriormente a
atribuir-lhe. Em outras passagens de sua obra, ele não defende uma
separação tão rígida, pois o que ele pretendia de fato era realçar a
relação de forças e a necessidade de equilíbrio e harmonia entre os três
poderes.
Montesquieu
não era um revolucionário. Sua opção social ainda era por sua classe de
origem, a nobreza. Ele sonhava apenas com a limitação do poder absoluto
dos reis, pois era um conservador, que queria a restauração das
monarquias medievais e o poder do Estadonas mãos da nobreza. As
convicções de Montesquieu refletem-se à sua classe e portanto o
aproximam dos ideais de uma aristocracia liberal. Ou seja, ele critica
toda a forma dedespotismo, mas não aprecia a ideia de o povo assumir o
poder. A sua crítica, no entanto, serviu para desencadear a Revolução
Americana e instaurar a república burguesa.
Das leis em suas relações com os diversos seres
A
lei é natural dos seres, própria deles. A lei deriva da natureza das
coisas e não do arbítrio (vontade) de um, qual seja a crítica ao sistema
hobbesiano. É em virtude disso que devemos ter em mente que o barão de
La Brède foi sem dúvida um dos pensadores mais renomados e um
articulador de ideias ricas de esplendor e princípios éticos e
moraisembasados no cotidiano de sua época, e com conhecimentos úteis
para o tempo presente. Montesquieu foi o proclamador do Direito em
virtude, e com a sua formação e inteligênciapropôs divisões para o
Direito em sua essência principal, que nada mais é que prender-se à
igualdade e liberdade de cada cidadão.
O juiz não pode criar leis
Como já foi acima mencionado, "o Espírito das Leis"
de Montesquieu defende a divisão do poder público em três poderes,
inspirado no sistema político constitucional da Inglaterraquando de sua
viagem. Essa separação, segundo o autor, é essencial para que haja a
liberdade do cidadão em se sentir seguro perante o Estado e perante
outro cidadão, pois se fosse dado a mais de um desses poderes o poder de
legislar e ao mesmo tempo julgar essa medida seria extremamente
autoritária e arbitrária perante o cidadão que estaria praticamente
indefeso, ou seja, estaria a mercê de um juiz legislador.
Montesquieu diz claramente que: "Não
haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do
poder legislativo e do executivo, não existe liberdade, pois pode-se
temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis
tirânicas para executá-las tiranicamente". Ainda completa: "O
poder de julgar não deve ser outorgado a um senado permanente, mas
exercido por pessoas extraídas do corpo do povo, num certo período do
ano, de modo prescrito pela lei, para formar um tribunal que dure apenas
o tempo necessário.".
Citações
§ "A religião é menos um tema de santificação do que um tema de discussões que pertence a todos"
§ "A subtileza do pensamento consiste em descobrir a semelhança das coisas diferentes e a diferença das coisas semelhantes"
§ "Recebemos
três educações diferentes: a dos nossos pais, a dos nossos mestres e a
do mundo. O que aprendemos nesta última, destrói todas as ideias das
duas primeiras"
Pascal, Blaise (1623-1662)
Blaise Pascal
(Clermont-Ferrand, 19 de Junho de 1623 — Paris, 19 de Agosto de 1662)
foi um físico, matemático, filósofomoralista e teólogo francês.
Vida
Blaise
Pascal era filho de Étienne Pascal e Antoniette Bejon. Perdeu a sua mãe
com três anos de idade. Seu Pai tratou da sua educação por ele ser o
único filho do sexo masculino. A educação que lhe foi dada por seu pai
tinha em vista o desenvolvimento correcto da sua razão e do seu juízo. O
recurso aos jogos didácticos era parte integrante do seu ensino em
disciplinas tão variadas como a História, a Geografia ou a Filosofia.
Blaise
Pascal contribuiu decisivamente para a criação de dois novos ramos da
matemática: a Geometria Projetiva e a Teoria das probabilidades. Em
Física, estudou a mecânica dos fluidos, e esclareceu os conceitos de
pressão e vácuo ampliando o trabalho de Evangelista Torricelli. É ainda o
autor da primeira máquina de calcular mecânica, a Pascaline, e de
estudos sobre o método científico.
Seguindo
o programa de Galileu e Torricelli, refutou o conceito de "horror ao
vazio". Os seus resultados geraram numerosas controvérsias entre os
aristotélicos tradicionais.[1]
Tinha
um filho chamado Nycolas Guttemberg, também era filho de um professor
de matemática, Etienne Pascal, teve uma educação muito religiosa
tendo-se recolhido numa vida ascética após a crise de 1654, período em
que escreve várias obras de teor religioso. O talento precoce para as
ciências físicas levou a família para Paris, onde ele se consagra ao
estudo damatemática.
Acompanhou
o pai quando este foi transferido para Rouen e lá realizou as primeiras
pesquisas no campo da Física. Realizou experiências sobre sons que
resultaram em um pequeno tratado (1634) e no ano seguinte chegou à
dedução de 32 proposições de geometria estabelecidas por Euclides.
Publicou Essay pour les coniques (1640), contendo o célebre teorema de Pascal.
Como
matemático, interessou-se pelo cálculo infinitesimal, pelas sequências,
tendo enunciado o princípio da recorrência matemática. Criou um tipo de
máquina de calcular que chamou de La pascaline (1642), a primeira calculadora mecânica que se conhece, conservada no Conservatório de Artes e Medidas de Paris.
Em uma citação de Anders Hald:
 | Para
aliviar o trabalho do seu pai como um agente fiscal, Pascal inventou
uma máquina de calcular para adição e subtração assegurando sua
construção e venda. |  |
Em 1646 a família converte-se ao Jansenismo.
De
volta a Paris (1647), influenciado pelas experiências de Torricelli,
enunciou os primeiros trabalhos sobre o vácuo e demonstrou as variações
da pressão atmosférica. A partir de então, desenvolveu extensivas
pesquisas utilizando sifões, seringas, foles e tubos de vários tamanhos e
formas e com líquidos como água, mercúrio, óleo, vinho, ar, etc., no
vácuo e sob pressão atmosférica.
Seu
pai morrera em 1651. Na sequência de uma experiência mística em finais
1654, ele fizera a sua "segunda conversão", abandonou o seu trabalho
científico, e se dedicou à filosofiae teologia. Suas duas obras mais
famosas datam dessa época: Les Provinciales e as Pensées,
tempo este durante o conflito entre jansenistas e jesuítas. Neste ano,
também escreveu um importante tratado sobre a aritmética dos triângulos.[2]
Aperfeiçoou o barômetro de Torricelli e, na matemática, publicou o Traité du triangle arithmétique
(1654). Juntamente com Pierre de Fermat, estabelecendo as bases da
teoria das probabilidades e da análise combinatória (1654), que o
holandês Huygens ampliou posteriormente (1657). Entre 1658 e 1659,
escreveu sobre o ciclóide e a sua utilização no cálculo do volume de
sólidos.[3]
Neste
mesmo ano, após uma "visão divina", abandonou as ciências para se
dedicar exclusivamente à teologia, e no ano seguinte recolheu-se à
abadia de Port-Royal des Champs, centro do jansenismo, só voltando às
ciências após "novo milagre" (1658). Neste período publicou seus
principais livros filosófico-religiosos: Les Provinciales
(1656-1657), conjunto de 18 cartas escritas para defender o jansenista
Antoine Arnauld, oponente dos jesuítas, que estava em julgamento pelos
teólogos de Paris, e Pensées (1670), um tratado sobre a
espiritualidade, em que fez a defesa do cristianismo. É em sua obra
"Pensées" (Pensamentos) que está a sua frase mais citada: "O coração tem
suas razões, que a própria razão desconhece".
Como
teólogo e escritor destacou-se como um dos mestres do racionalismo e
irracionalismo modernos e sua obra influenciou os inglesesCharles e John
Wesley, fundadores da Igreja Metodista.
Um dos seus tratados sobre hidrostática, Traité de l'équilibre des liqueurs,
só foi publicado postumamente, um ano após sua morte (1663). Esclareceu
finalmente os princípios barométricos, da prensa hidráulica e da
transmissibilidade de pressões. Estabeleceu o princípio de Pascal que
diz: em um líquido em repouso ou equilíbrio as variações de pressão
transmitem-se igualmente e sem perdas para todos os pontos da massa
líquida. É o princípio de funcionamento do macaco hidráulico. Na
Mecânica é homenageado com a unidade de tensão mecânica (ou pressão)
Pascal (1Pa = 1 N/m²; 105 N/m² = 1 bar).
Pascal,
que sempre teve uma saúde frágil, adoece gravemente em 1659, e morre em
19 de Agosto de 1662, dois meses após completar 39 anos. Encontra-se
sepultado na Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, Ilha de França, Paris na França.[4]
Spinoza, Baruch de (1632-1677)
Bento de Espinoza[1] (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה, transl. Baruch Spinoza)
(24 de novembro de1632, Amsterdã — 21 de fevereiro de 1677, Haia) foi
um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia
Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu em
Amsterdã, nos Países Baixos, no seio de uma famíliajudaica portuguesa e é
considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.
Vida
A sua família fugiu da Inquisição de Portugal. Foi um profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus comoMaimónides, Ben Gherson, Ibn Ezra, Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba
e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles,
Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno;
Ganhou
fama pelas suas posições de panteísmo (Deus, natureza naturante) e do
monismo neutro, e ainda devido ao fato da sua ética ter sido escrita sob
a forma de postulado edefinições, como se fosse um tratado de
geometria.
Excomunhão (Chérem)
No
verão de 1656, a Sinagoga Portuguesa de Amsterdão o puniu com o Chérem,
equivalente à Excomunhão, pelos seus postulados a respeito de Deus em
sua obra, defendendo que Deus é o mecanismo imanente da natureza e do
universo, e a Bíblia uma obrametafórico-alegórica que não pede leitura
racional e que não exprime a verdade sobre Deus.
Conforme
Will Durant, seu Chérem pelos judeus de Amsterdã, tal como ocorrera com
as atitudes que levaram à retração e posterior suicídio de Uriel da
Costa em 1647, fora como que um gesto de "gratidão" por parte dos judeus
com o povo holandês.
Embora
os pensamentos de Spinoza e da Costa não fossem totalmente estranhos ao
judaísmo, vinham contra os pilares da crença cristã. Os judeus,
perseguidos por toda Europa na época, especialmente pelos governos
ibéricos e luteranos alemães, haviam recebido abrigo, proteção e
tolerância dos protestantes de inspiração calvinista dos Países Baixos
e, assim, não poderiam permitir no seio de sua comunidade um pensador
tido como herege.
Pós Chérem
Após o Chérem adotou o primeiro nome Benedictus ("Bendito", a tradução do seu nome original - Baruch - para o latim).
Para
sua subsistência trabalhava com polimento de lentes, durante os
períodos em que viveu em casas de famílias em Outerdek (próximo a
Amsterdã) e em Rhynsburg, tendo recusado várias oportunidades e
recompensas durante sua vida, incluindo prestigiosas posições de ensino.
Nesta última localidade escreveu suas principais obras.
Uma
vez que as reações públicas ao seu Tratado Teológico-Político não lhe
eram favoráveis, absteve-se de publicar seus trabalhos. A Ética foi publicada após sua morte, na Opera Postuma editada por seus amigos.
Morte
Morreu
num domingo, 21 de fevereiro de 1677, aos quarenta e quatro anos,
vitimado pela tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, em
Haia. A família havia ido à igreja e o deixara com o amigo Dr. Meyer. Ao
voltarem, encontraram-no morto.
Traços físicos
Conforme Colerus
que o conheceu em Rhynsburg, Spinoza "era de mediana estatura, feições
regulares, pele cor de oliva, cabelos pretos e crespos, sobrancelhas
negras e bastas, denunciando claramente a descendência de judeus
Sefardim ou sefarditas (originalmente naturais da Península Ibérica). No
trajar muito descuidado, a ponto de quase se confundir com os cidadãos
da mais baixa classe".
Reconhecimento
Suas obras o fizeram reconhecido em vida, recebeu cartas de figuras proeminentes como Henry Oldenburg da Royal Society of England, do jovem nobre alemão, o inventor Von Tschirnhaus, do cientista holandês Huygens, de Leibnitz, do médico Louis Meyer de Haia, do rico mercador De Vries de Amsterdã.
Luís XIV lhe ofereceu uma larga pensão para que Spinoza lhe dedicasse um livro. O filósofo recusou polidamente.
O
príncipe de Condé, na chefia do exército da França que invadira a
Holanda novamente convidou-o a aceitar uma pensão do rei da França e ser
apresentado a vários admiradores. Spinoza desta vez aceitou a honraria,
mas se viu em dificuldades ao retornar a Haia, por causa dessa suposta
"traição". Porém, logo o povo, ao perceber que se tratava de um
filósofo, um inofensivo, se acalmou.
O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comentado por Renan em 1882:
"Maldição
sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido
como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e
pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu
pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por
ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar
dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus"
O retrato de Spinoza foi impresso nas antigas notas de 1000 florins dos Países Baixos, até a introdução do euro, em 2002.
Obra
Livros
a) Publicados "post mortem":
Escritos em latim:
§ Ética demonstrada à maneira dos geômetras (Ethica Ordine Geometrico Demonstrata) - escrito em Rhynsburg; Conteúdo:
§ Primeira parte: Deus
§ Segunda parte: A natureza e a Origem da Mente
§ Terceira parte: A Origem e a Natureza dos Afetos
§ Quarta parte: A Servidão Humana ou a Força dos Afetos
§ Quinta parte: A Potência do Intelecto ou a Liberdade Humana
§ Tratado Político (depois incluído na Ética);
§ Tratado do Arco-íris
Escritos em holandês:
§ Um breve Tratado sobre Deus e o Homem (foi um esboço da Ética);
b) Publicados
§ Melhoramento do Intelecto (De Intellectus Emendatione) - Ensaio
§ Príncípios da Cartesiana
§ Tratado sobre a Religião e o Estado (Tractatus theologico politicus)
Conteúdo filosófico
Spinoza
defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a
saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as
entidades menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou
que Deus sive Natura ("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de
infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de
matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
A
sua visão da natureza da realidade, então, fez tratar os mundos físicos
e mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se
sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a
substância. Esta formulação é uma solução muitas vezes considerada um
tipo de panteísta e de monismo.
Spinoza
também propunha uma espécie de determinismo, segundo o qual
absolutamente tudo o que acontece ocorre através da operação da
necessidade, e nunca da teleologia. Para ele, até mesmo o comportamento
humano seria totalmente determinado, sendo então a liberdade a nossa
capacidade de saber que somos determinados e compreender por queagimos
como agimos. Deste modo, a liberdade para Spinoza não é a possibilidade
de dizer "não" àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer
"sim" e compreender completamente por que as coisas deverão acontecer
de determinada maneira. [2]
A
filosofia de Spinoza tem muito em comum com o estoicismo, mas difere
muito dos estóicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a
afirmação de que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu
que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A
distinção crucial era, para ele, entre as emoções activas e passivas,
sendo as primeiras aquelas que são compreendidas racionalmente e as
outras as que não o são.
Substância
Para Spinoza, a substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui.
Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que
não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente
independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência
basta-se em si mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento
possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A
substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser
limitada por outra substância da mesma natureza.
Pela
proposição V da Parte I da Ética, ele afirma: "Uma substância não pode
ser produzida por outra substância", portanto, não existe nada que
limite a substância, sendo ela, então, infinita. Da mesma forma, a
substância é indivisível, pois, do contrário, ao ser dividida ela, ou
conservaria a natureza da substância primeira, ou não. Se conservasse,
então uma substância formaria outra, o que é impossível de acordo com a
proposição VI; se não conservasse, então a substância primeira perderia
sua natureza, logo, deixaria de existir, o que é impossível pela
proposição 7, a saber: "à natureza de uma substância pertence o
existir". Assim, a substância é indivisível.
Assim,
sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não
podendo ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância
absolutamente infinita ou Deus.
Apesar
de ser denominado Deus, a substância de Espinoza é radicalmente
diferente do Deus judaico-cristão, pois não tem vontade ou finalidade já
que a substância não pode ser sem existir (se pudesse ser sem existir,
haveria uma divisão e a substância seria limitada por outra, o que, para
Espinoza, é absurdo, como foi explicado no parágrafo anterior).
Consequentemente, o Deus de Espinoza não é alvo de preces e menos ainda
exigiria uma nova religião.
Os afetos - o desejo, a alegria e a tristeza
Os corpos se individualizam em razão do movimento e do repouso, da velocidade e lentidão
e não em função de alguma substância particular (escólio 1 da prop. 13
da parte 2 da Ética), e a identidade individual através do tempo e da
mudança consiste na manutenção de uma determinada proporção de movimento
e repouso das partes do corpo (prop. 13 da parte 2 da Ética). O corpo
humano é um complexo de corpos individuais, e é capaz de manter suas
proporções de movimento e de repouso ao passar por uma ampla variedade
de modificações impostas pelo movimento e repouso de outros corpos.
Essas modificações são o que Espinoza chama de afecções.
Uma afecção que aumenta a capacidade do corpo de manter suas proporções características de movimento e repouso aumenta a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma modificação que aumenta a potência de pensar. A passagem de uma potência menor para uma maior é o afeto de alegria
(definição dos afetos, parte 2 da Ética). Uma afecção que diminui a
potência do corpo de manter as proporções de movimento e repouso diminui
a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma diminuição da
potência de pensar. A passagem de uma potência maior para uma menor é o afeto de tristeza.
Já uma afecção que ultrapassa as proporções de movimento e repouso dos
corpos que compõe o corpo humano destrói o corpo humano e a mente
(morte).
Os
indivíduos (mentes e corpos) se esforçam em perseverar em sua
existência tanto quanto podem (prop. 6 da parte 3 da Ética). Eles sempre
se esforçam para ter alegria, isto é, um aumento de sua potência de
agir e de pensar, e eles sempre se opõem ao que lhes causa tristeza, ou
seja, aquilo que diminui sua capacidade de manter as proporções de
movimento e repouso características de seu corpo. O esforço por manter e
aumentar a potência de agir do corpo e de pensar da mente é o que
Espinoza chama de desejo (conatus).
"Não
é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a
queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por
nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la,
que a julgamos boa". Espinoza, Ética, parte 3 prop. 9 esc.
As afecções que são atribuídas à ação
do corpo humano testemunham o aumento de sua potência de agir e de
pensar e, por isso, o afeto de alegria sempre impulsiona à atividade. Em
contraste, as afecções que diminuem a potência de agir e de pensar
(provocando tristeza) testemunham sempre a passividade do corpo humano,
são sempre passivas, são paixões (do grego pathos, sofrer uma ação).
Para
Espinoza, a ilusão dos homens de que suas ações resultam de uma livre
decisão da mente é consequência de eles serem conscientes apenas de suas
ações enquanto ignoram as causas pelas quais são determinados, o que
faz com que suas ações sejam determinadas pelas paixões. Isso é o que
ele chama de primeiro gênero de conhecimento,imaginação ou idéias inadequadas(a consciência de nossos afetos, e a inconsciência do que os determina). O segundo gênero de conhecimento são as noções comuns ouidéias adequadas,
que se caraterizam pela consciência do que nos determina a agir. As
idéias adequadas sempre são efeitos da alegria, acarretam alegria e
impulsionam a atividade, enquanto a imaginação (idéias inadequadas) se
caracteriza pela passividade e pelo acaso de causar ou ser efeito da
alegria ou da tristeza.
"[...]
uma criancinha acredita apetecer, livrementre, o leite; um menino
furioso, a vingança; e o intimidado, a fuga. Um homem embriagado também
acredita que é pela livre decisão de sua mente que fala aquilo sobre o
qual, mais tarde, já sóbrio, preferiria ter calado. Igualmente, o homem
que diz loucuras, a mulher que fala demais, a criança e muitos outros do
mesmo gênero acreditam que assim se expressam por uma livre decisão da
mente, quando, na verdade, não são capazes de conter o impulso que os
leva a falar. Assim, a própria experiência ensina, não menos claramente
que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque são
conscientes de suas ações, mas desconhecem as causas pelas quais são
determinados. Ensina também que as decisões da mente nada mais são do
que os próprios apetites: elas variam, portanto, de acordo com a
variável disposição do corpo. Assim, cada um regula tudo de acordo com o
seu próprio afeto e, além disso, aqueles que são afligidos por afetos
opostos não sabem o que querem, enquanto aqueles que não têm nenhum
afeto são, pelo menor impulso, arrastados de um lado para outro. Sem
dúvida, tudo isso mostra claramente que tanto a decisão da mente, quanto
o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas
simultâneas, ou melhor, são uma só e mesma coisa, que chamamos decisão
quando considerada sob o atributo do pensamento e explicada por si
mesma, e determinação, quando considerada sob o atributo da extensão e
deduzida das leis do movimento e do repouso [...]" Spinoza, Ética, parte
3, prop 2 esc.
A
grande inovação da ética de Espinoza foi que, nela, a razão não se opõe
aos afetos, pelo contrário, a própria razão é um afeto, um desejo de
encontrar ou criar as oportunidades de alegria na vida e de evitar ou
desfazer ao máximo as circunstâncias que causam tristeza, mas o próprio
desejo-razão (do mesmo modo que os outros tipos de afetos) não depende
da vontade livre, mas de afecções que fogem ao controle do indivíduo
porque são modos da substância única infinita que não tem finalidade nem
providência. Em diversas obras[3][4], Espinoza diz que é
nocivo (diminui nossa potência de agir e de pensar) ridicularizar ou
reprovar alguém dominado pelas paixões, porque isso não depende da livre
decisão da mente. O único modo do homem que se guia pela razão ajudar
os outros é, nas palavras de Espinoza:
"Não rir nem chorar, mas compreender". (Espinoza, Tratado Político)
A
ética de Espinoza é a ética da alegria. Para ele, só a alegria é boa,
unicamente a alegria nos leva ao amor (que ele define como a idéia de
alegria associada a uma causa exterior) no cotidiano e na convivência
com os outros, enquanto a tristeza sempre é má, intrinsecamente
relacionada ao ódio (que ele define como a idéia de tristeza associada a
uma causa exterior), a tristeza sempre é destrutiva para nós e para os
outros.
O terceiro gênero de conhecimento - beatitude
Além
dos dois gêneros citados anteriormente, Espinoza afirma ainda um
terceiro, chamado beatitude. Esse conhecimento se caracteriza por
compreender nas coisas singulares o aspecto da eternidade (sub specie eternitatis).
Seria algo como ver as coisas singulares como inseparáveis dos modos da
substância infinita e eterna (Deus), compreendendo que as coisas
singulates são elas mesmas eternas, existindo fora do tempo. Esse é um
dos conceitos de Espinoza mais controversos e discutidos.[5]
A influência
Spinoza
ficou considerado como maldito por muitos anos após sua morte. Quem
recuperou sua reputação foi o crítico Lessing em seus diálogos com
Jacobi em 1784. Na sequência, o filósofo foi citado, elogiado e inspirou
pessoas como os teólogos liberais Herder e Schleiermacher, o poeta
católico Novalis, o grande Goethe;
Da
combinação da epistemologia de Kant saíram os "panteísmos" de Fichte,
Schelling e de Hegel. Influenciou os conceitos de Schopenhauer,
Nietzsche e Bergson em seus "vontade de vencer", "vontade de poder" e
"élan vital", respectivamente. Inspirou o pensador inglês Coleridge,
ainda os conterrâneos, poeta Wordsworth e também Shelley.
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